Recebo o e-mail de uma amiga contando que mesmo não tendo tempo para mais nada, voltou para as aulas de dança, que está fazendo à noite. Diz ela: "Tem coisas que devemos abrir espaço a fórceps, ou corremos o risco de serem extingüidas de nossas vidas".
Fórceps, todos sabem o que é. Um instrumento que, em obstetrícia, serve para extrair o bebê do útero em caso de pouca dilatação do ventre. Falando assim, parece uma coisa agressiva, mas não é. É um "help". Se a natureza não está ajudando, o fórceps vai lá e puxa o bebê pra vida.
Pois é assim que estamos levando os dias: a fórceps. Se existe uma coisa que não se dilata espontaneamente é o tempo, ao contrário, está cada vez mais apertado, então a gente tem que tratar de extrair tudo o que a gente quer da vida na marra mesmo. Forçando um pouco. E lá vamos nós para a noite, mesmo com medo da própria sombra. Vamos jantar, vamos ao cinema, vamos ao bar, vamos à casa de amigos, vamos cantarolando dentro do carro e com os vidros bem fechados, vamos despistando as neuras e tentando estacionar bem longe das estatísticas estampadas nas páginas policiais.
E a gente promete nunca mais telefonar para quem nos faz sofrer, mas acaba telefonando, e ele atende, e implica, e a gente some, e ele chama, e a gente volta, e briga, e ama, e sofre, e ama, e ama, e ama, e desama, e termina, e quando parece que cansamos, que não há mais espaço para um novo amor, outro aparece, outro parto, começa tudo de novo, aquele ata-e-desata, o coração da gente sendo puxado pra fora.
E a gente faz mágica: vive trinta e duas horas por dia, oito dias por semana, catorze meses por ano — e com um salário microscópico. Fazemos a volta ao mundo com meio tanque de gasolina, dormimos seis horas por noite, sonhamos acordados o tempo inteiro. Bebemos um drinque com as amigas e voltamos para casa sóbrias, entramos no quarto das crianças sem acordá-las, um pássaro não seria mais leve. Lemos todos os livros do mundo nos intervalos da novela, paramos dois segundos para olhar o pôr-do-sol pela janela, telefonamos para nossa mãe ao mesmo tempo em que respondemos o e-mail de um cliente, e se alguém sorri para nós, a gente se aproxima, se arrisca e renasce nestas chances de vida. Porque senão, é da casa pro trabalho e do trabalho pra casa, deixando o tempo agir sozinho, esperando dilatações espontâneas. E, como elas não acontecem, permanecemos paralisados na vidinha mesma de sempre, lamentando o fim das nossas aulas de dança.
Martha Medeiros
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