"Não fui eu que joguei aquela droga de criança no Rio". Para mim, esta frase diz tudo sobre a brutalidade da mulher que – segundo suspeita a polícia – lançou a filha de três meses na Lagoa da Pampulha. Tentava livrar-se da culpa, estava nervosa, e, evidentemente, sem pleno controle verbal. A frase foi, mais ou menos, esta; porém não importa: a expressão "droga de criança" se lhe escapou num momento de desespero, talvez por haver sido descoberta, talvez por culpa irremediável. Aquele "droga de criança" diz tudo o que lhe varria o sentimento. É o clássico ato falho, que nos leva à observação de um psicanalista há vários anos: "o importante não é o que a gente fala, mas o que a gente "falha".
Estas súbitas intromissões do que nos lateja dentro e tentamos guardar ou esconder, representam o mais eloqüente dos elementos denunciadores de sombrias grutas internas, escondidas pelas aparências, conveniências ou pela mentira. Neste, como em outros casos, tenho profunda compaixão pessoal. Isto não exclui que deva ser apurado. Se houve culpa, é crime hediondo.
Impressionado, além de ler a respeito, tenho ouvido entrevistas várias com diferentes enfoques sobre este caso. Numa rádio, um psiquiatra inteligente cujo nome se me escapou naquela pressa dos entrevistadores, aludiu ao que até poderia ser o que a ciência moderna chama de psicose puerperal, logo, um ato de loucura. Também é possível.
Seja qual a for a situação daquela mulher, nada impacta mais este cronista do que a expressão "droga de criança", diante de um ser indefeso e inocente, saído do útero para ser salvo pela Providência. Nenhum filho do mundo é droga de criança. A frase é estarrecedora. Mesmo que não ameaçasse a vida de sua filha e apenas desejasse deixá-la para outros criarem, "droga de criança" traz a idéia de um estrupício, de maldição.
Deus tenha misericórdia dessa mulher e do ser humano em seu lado violento e brutal, diariamente a ceifar vidas através de mil recursos e pretextos. Lembro o verso do poeta que, caso fosse conhecido e vivenciado pelas pessoas, o mundo seria melhor: "O bem é uma subida que não cansa".
(texto de Arthur da Távola)
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