Este é o primeiro artigo que estou escrevendo em meu apartamento novo. Mudei  há uma semana. Fazendo as contas, já mudei de casa mais de 30 vezes. Morei em  quatro cidades brasileiras e em três países.Mudei de profissão quatro vezes, de  estado civil três vezes. Já tive dezenas de projetos de vida, mudei centenas de  vezes de opinião e milhares de vezes de idéia. De mudança eu entendo. Ou acho  que entendo... 
Descobri, por exemplo, que as pessoas mudam por  necessidade ou por desejo. Sentimos necessidade de mudar algo em nossa vida  quando as coisas não estão dando certo. Já o desejo está ligado a querer  resultados ainda melhores, independentemente de quão bons já sejam os que  estamos obtendo. Mudar, portanto, é próprio do ser humano, pois ele sempre tem  necessidades e desejos. Será? Vamos analisar algumas contradições que pertencem  a esse assunto. 
Uma das principais características da nossa sociedade,  atualmente, é a crescente velocidade das mudanças. Há tantas, em todas as áreas,  que os historiadores estão dizendo que não estamos em um tempo de mudanças, e  sim em uma mudança de tempo, como ocorreu na Renascença e na Revolução  Industrial. As tecnologias, como o celular e a internet, compõem o principal  motor desse fenômeno, mas há outras coisas, como o excesso de informação e a  multiplicidade de opções. 
Ao contrário do que já foi, hoje são  valorizadas as pessoas que mudam. Raul Seixas foi profético quando disse que  preferia ser "uma metamorfose ambulante" a "ter aquela velha opinião formada  sobre tudo". É claro que não se cobra de ninguém que seja tão maluco-beleza, mas  a estagnação paga pedágio dobrado. Somos estimulados, sim, a ser metamorfoses  ambulantes, se não por outro motivo, pelo menos para acompanhar as mudanças do  mundo, e estas são cada vez maiores e em velocidade crescente. 
Mas há  pelo menos duas contradições importantes quando o tema é a mudança. O motivo  principal que nos obriga a mudar é a manutenção do status. Eu preciso mudar para  continuar sendo competitivo, para manter minha cultura em dia, para ser bem  informado como sempre fui, para atender às expectativas das pessoas com quem  convivo, para não ser considerado antiquado... Ou seja, preciso mudar para  continuar sendo o mesmo. Esse é o primeiro paradoxo. 
O segundo, é mais  agudo: eu sei que preciso mudar,mas bem que preferia deixar como está. Seria tão  bom se tudo ficasse quieto, confortável e seguro... Esse sentimento existe  porque qualquer mudança pressupõe movimento, gasto de energia, perigo - e são  justamente essas as características que a parte mais primitiva de nosso cérebro  está programada para evitar. O racional entende que a mudança precisa acontecer,  o emocional precisa ser convencido e, mesmo assim, reluta. É duro sair de uma  zona de conforto, que é confortável principalmente porque é conhecida...  
Mas não temos alternativa. Devemos conviver com nossos dois eus  interiores - o que quer mudar e o que quer permanecer. 
Apesar de o  assunto ser moderno, ele não é novo. Há mais de 25 séculos viveu, na costa da  Grécia, um filósofo chamado Heráclito, que, dizem, vivia angustiado com a  velocidade das mudanças. Imagine se ele vivesse hoje! 
Heráclito teve duas  percepções importantes a respeito do tema.A primeira diz respeito ao que ele  chamou de "unidade dos opostos". Segundo o filósofo, absolutamente tudo na vida  é composto por fenômenos, valores ou tendências totalmente opostas, mas que se  complementam. 
Um exemplo: se alguém diz que um copo de água está meio  vazio, enquanto outro afirma que está meio cheio, ambos estão falando sobre o  mesmo copo, e não sobre dois. É o mesmo, mas há opiniões opostas a seu respeito.  E essas opiniões não são contraditórias, mas complementares, pois o copo está,  de fato, meio cheio e meio vazio. A diferença está apenas no ponto de vista.  
O que o sábio Heráclito quis dizer com isso é que as oposições são  naturais e nem sequer devemos lutar contra elas, pois estaríamos correndo o  risco de negar a própria realidade. A lição que tiramos dessa história é que a  realidade é instável por conter os opostos, que, por outro lado, são necessários  para a construção do todo. 
Os opostos geram a instabilidade que provoca  o movimento que determina as mudanças. Daí nasce a segunda observação de  Heráclito: "Tudo flui, você não pode banhar-se duas vezes no mesmo rio", pois,  na segunda vez, o rio não será o mesmo, uma vez que aquela água já se foi e esta  é outra. Ponto para Heráclito. Temos que estar preparados para conviver com os  opostos e para nos adaptarmos às novas realidades que surgem o tempo todo.  
Mas observe como algumas pessoas têm uma incrível dificuldade para lidar  com essas duas situações. E acabam pagando um preço alto por não conseguirem  entender a instabilidade dos fenômenos e a oposição dos componentes da  realidade. Cuidado! Adaptação não é o mesmo que acomodação.O acomodado não muda,  o adaptado muda o tempo todo. 
Não precisamos ser metamorfoses  ambulantes, mas não podemos ter a velha opinião formada, imutável, irremovível,  pétrea. Há uma diferença entre "dualidade" e "impasse". Os opostos de Heráclito  compõem dualidade: dia e noite,vida e morte, homem e mulher, inverno e verão. A  dualidade pressupõe o uso de "e". O impasse vale-se do "ou". Viveremos tão  melhor quanto mais aceitarmos o uso do "e", que pressupõe soma, não divisão.  
Mudanças são boas quando trazem acréscimos para nossa vida. O duro é  perceber que ir para outro emprego, acabar com um casamento falido, promover  alterações no visual e criar novos hábitos de vida, entre outras, são mudanças  que acrescentam. Não significam perdas, e sim ganhos... . 
As mudanças podem  ser traumáticas ou amigáveis, isso vai depender da relação que construímos com  elas. E, é claro, vai depender também da expectativa que temos do seu resultado.  
Ninguém gosta de mudar para pior. Ou mudamos por conta própria, e sempre  para melhor, ou as mudanças acontecerão à nossa revelia - e, nesse caso, não  temos garantia de que será para melhor. 
(Eugenio  Mussak - revista Vida Simples - Novembro de 2006) 
======================

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente sobre a mensagem acima que você leu