28 de jan. de 2009

Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no
peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou. Quando voltou a abrir
os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.
Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.Todas vestindo
cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que
estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque
tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por
engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me
parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É.
- Tipo assim... o céu, CÉU...! Aquele com querubins voando e coisas do
gênero?
- Certamente. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências, nenhuma poluição, todo mundo sorrindo,
(ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um
pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis
técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além
de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do
conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor você conversar com Pedro , o síndico.
- É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Assim?
(...)
- Pois não?
A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente,
segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de approach para situações
inesperadas e reagiu rapidinho:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva
bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século você veio?
- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo 'executiva'?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um insight. A máxima
autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas
técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo
tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição
hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma
proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando a
toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar
um upgrade na produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo
ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem
faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera
desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas
nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um simples
programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um
organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver.
- !!!...???...!!!...???...!!!
- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a
definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas
factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento
do Grande Acionista... Ele existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo,
encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o
marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de
alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, me parece
extremamente atrativo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um
board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro.
Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e
mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho
certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela
frente vai resultar em um Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que você terá um futuro brilhante... se for trabalhar com
o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como
funciona o Inferno...

Max Gehringer

(Revista Exame)




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